Espanha
Embarazo
Pronúncia fonética: enbaráthô
Língua: Espanhol (da Europa)
Significado: Gravidez
Luís confiou a sua vida a Portugal por amor à esposa e o país vem-lhe retribuindo com um lugar de primeira fila em sucessivas manifestações de idêntico sentimento. Cada gravidez que o médico acompanha no centro de saúde é um “embarazo” diferente, de que retira algo especial: já seguia o historial clínico dessas mulheres antes de serem mães e, após o parto, rende-se ao novo ser humano que elas lhe confiam, pequenino e frágil, e também a ele passa a dedicar atenção por toda a vida. A geografia tem sido irrelevante. Qualquer que seja o país, amor com amor se paga.
José Luís de la Fuente
Natural de León, em Espanha
64 anos
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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e deveriam mudar-se também os ditados. Se durante as monarquias medievais não vinha de Espanha nem bom vento nem bom casamento, em anos mais recentes o que de lá vem são médicos e enfermeiros, e não só para garantia de sustento. José veio para Portugal por amor. Natural de León, foi em jovem estudar Medicina para Santiago de Compostela e aí conheceu Olga, portuguesa que na Galiza se licenciava na mesma área. Durante alguns anos, ele repartia o seu tempo entre Espanha e Portugal, exercendo lá e frequentando cá um segundo curso de Medicina Dentária, mas a certa altura mudou-se para solo luso e aqui constituiu família. Depois de um casamento no Paço dos Duques de Bragança, que a noiva era vimaranense, os dois médicos fixaram residência no Porto, para Olga trabalhar em Gaia e José em Oliveira de Azeméis. Em 1997 escolhem viver em Santa Maria da Feira, terra pacata a meio caminho entre um emprego e o outro, e particularmente propícia à educação das duas filhas do casal, então ainda pequeninas.
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Por essa altura, já José passara a assinar Luís. “Como para os portugueses é muito difícil pronunciar o J espanhol”, que se pronuncia com um som emitido na garganta mais parecido com um RRR do que com um J, o médico optou por assinar sempre Luís. “Foi a mesma coisa com o nome das minhas filhas. Estiveram para se chamar Joana e Rita, mas, como para o pai ia ser muito difícil pronunciar o J e o R em Português correto, elas acabaram por ficar com os nomes de Inês e Marta”.
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Uns 30 depois da sua chegada a Portugal, Luís sente-se Português e pensa em Português, mas ainda fica surpreso de cada vez que o confundem com um turista estrangeiro. A culpa é do sotaque castelhano, que não o abandona: “Eu digo tudo em Português, com a construção e as palavras portuguesas, e as pessoas respondem-me em Portunhol. Por isso é que, quando alguém me confunde com um brasileiro, até fico todo contente”.
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A conversa que resulta dessa mistura de línguas e pronúncias, seja num restaurante ou noutro local qualquer onde Luís ainda não seja conhecido, reflete sempre uma constante agradável: demonstra que o povo português é hospitaleiro, tenta ser útil e faz por ajudar, mesmo que para isso tenha que falar uma língua que claramente não domina. “É um povo mesmo muito acolhedor, simpático e humilde”, insiste o médico. A humildade nota-se num comportamento mais formal para com os médicos do que aconteceria em Espanha: “As pessoas dizem sempre o ‘senhor doutor isto’, ‘o senhor doutor aquilo’… São muito respeitosas e isso, em parte, tem a ver com a sua literacia. Já no eu se refere à simpatia e familiaridade, essas demonstram-se na quantidade de beijos e “passou-bens” que por aqui se distribuem a cada dia. “Em Espanha só cumprimentávamos uma pessoa com a mão ao fim de um ano de contacto. Aqui, todos os dias cumprimento toda a gente ao chegar ao trabalho”, explica Luís.
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Foi no emprego que o médico de Léon descobriu uma das realidades pelas quais considera que Portugal deve sentir particular orgulho. Quando cá chegou, em 1988, “o país estava muito atrasado em relação a Espanha. Andavam as senhoras na rua em avental, iam ao café em chinelos de quarto e isso só não chocava porque todos eram realmente muito simpáticos e acolhedores”. Espanha já então tinha mais recursos na área da saúde, fosse ao nível de quadros profissionais ou de equipamento técnico, e diferenciava-se por “um serviço público totalmente gratuito”. Mas as unidades de cuidados primários do país vizinho ainda hoje não disponibilizam consultas de saúde materna e infantil, e esse é o domínio em que Luís se descobriu mais realizado em Portugal. “Gosto muito de exercer nesta área, é um trabalho mais rico e compensador”, defende. “Em Espanha não se trabalhava a saúde da criança e da mãe dentro do centro de saúde e perdia-se esta vantagem, que é o médico seguir o paciente – e a sua família – desde o nascimento ate à morte. Aqui conhecemos a família toda, conseguimos enquadrar a saúde de cada utente no seu ambiente familiar, prestamos um serviço mais abrangente e completo, reunimos no mesmo local a globalidade dos cuidados de que eles precisam”. Nesse relacionamento contínuo com o mesmo médico há, portanto, pouco lugar para embaraços. Mas recebem-se com alegria todos os “embarazos” – que é palavra espanhola corrente para gravidez e reflete uma das dissemelhanças a que Luís acha graça na comparação entre as duas línguas.
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Claro que há outras diferenças, umas melhores que outras. “Em Portugal vive-se menos na rua, vai-se mais ao café, está-se sempre com gente” e isso é positivo. “Viver-se a 500 ou 1000 metros do centro da cidade e ter que caminhar pela estrada porque não há passeios” já o é menos. Depois há ainda um tratado inteiro sobre a gastronomia: “Tenho algumas saudades da comida espanhola, que é mais à base de fritos e enchidos, mas habituei-me à portuguesa e, sobretudo, à quantidade de refeições que aqui se faz. Em Espanha come-se muito menos, arranja-se qualquer coisa e já está. Aqui há sempre uma refeição completa, com tudo na mesa, e demorei algum tempo a habituar-me”. Mas o que Luís mais recorda é um embaraço – com ç – motivado por surpresas de quantidade e diferenças cromáticas. “Nunca me esqueço na vida do dia em que cheguei a casa dos meus sogros e tínhamos na mesa bacalhau desfiado com grão. Era uma quantidade que na casa dos meus pais dava para uma semana e aqui não acabou totalmente naquela refeição, mas quase. E na primeira vez que lá comi um ovo estrelado, ao olhar para ele, disse baixinho à minha mulher: ‘Estás a ver esta cor? Olha que isto deve estar estragado…’. Ela respondeu: ‘Olha que não. Os ovos aqui são assim amarelos’. Estava eu com quase 40 anos e nunca tinha visto um ovo caseiro”. â–
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