top of page
China
工作
Correspondência latina: Gongzuo

Pronúncia fonética: Gông-zuó

Língua: Mandarim

Significado: Trabalho

​

​
É quase uma ofensa falar de reforma com Simão Zhu e Margarida Zhao. Deixaram o seu país em busca de uma vida que não se fizesse apenas de trabalho intensivo, mas não deixam de ter na labuta diária a sua principal prioridade. “Chinês vem para Portugal para trabalhar, trabalhar, trabalhar. Patrão? Patrão ainda trabalha mais!”. Ele sabe que na China a idade da reforma para as mulheres é aos 55 anos e para os homens aos 62, mas não gosta de pensar nisso. “Se tenho força para trabalhar, trabalho. Trabalhar é como ginásio e mais barato”. Margarida também prefere puxar pelo corpo do que pela língua. “Chinês não fala pouco! Português é que fala muito! Tudo serve para português falar, falar, falar, falar, falar!”.

​

Zhemeng “Simão” Zhu e Zhen “Margarida” Zhao
Naturais de Zhejiang, na China
61 e 60 anos
​

Quando teve que escolher o seu nome português, como é hábito os chineses fazerem ao legalizarem a sua residência em Portugal, Zhemeng não precisou pensar muito: “Ponham aí qualquer coisa! Pode ser Simão, como o Sabrosa!”. A esposa também dispensou grandes reflexões e aceitou a escolha de uma colega de trabalho que a batizara como Margarida. O casal recorda estes detalhes numa conversa cheia de risos, muita gesticulação de mãos a ilustrar pensamentos e um Português nem sempre claro, mas empenhado, em que a letra R é realmente trocada pelo L e dá ao diálogo um tom fofo e carinhoso, a lembrar personagens de livros aos quadradinhos e do ator Badaró.

​

Simão e Margarida nasceram em Zhejiang, no Sul da República Popular da China, num tempo “muito triste” em que a vida era particularmente difícil porque, ainda mais do que hoje, se fazia de “muito trabalho, só trabalho, sempre trabalho”. Até reconhecem que em Portugal o emprego também exige demasiado tempo às famílias, mas garantem: “Lá, o que um chinês trabalha num dia dá para três dias aqui”. Procurando maior qualidade de vida, parte da família de Simão já emigrara para a Alemanha e o jovem metalúrgico decidiu fazer o mesmo, só que optando por rumar a Portugal. “Aqui tempo mais ameno e melhor para negócio. Mais fácil começar”, explica, numa de tantas frases em que omite a maioria das preposições e dos artigos definidos ou indefinidos.

 

Simão chegou em 1983, sozinho, e instalou-se no Porto, onde o tio abrira o primeiro restaurante chinês do país. Margarida veio dois anos depois, com a que era então a sua única filha, e abriu uma empresa de confeção de roupa interior feminina que esteve em atividade alguns anos, até a paciência se esgotar. “Confeção para mulheres muito chato. Elas muito, muito chatas!”, justifica. Seguiu-se uma fase como enfermeira, beneficiando da experiência adquirida com o pai, que era médico; houve também uma empresa de importação de calçado, antes de começar o excesso de concorrência e a fraca qualidade de uns prejudicar a reputação de outros; e ainda tiveram um restaurante próprio, até que o negócio se ressentiu do surto do vírus H5N1 que abalou a Ásia no fim da década de 1990. Ao falar disso, Margarida faz um gesto a apontar para o cérebro, como que a simular falta de raciocínio: “Povo aqui muito desconfiado e com a gripe das aves pior. Pessoas pensa que a gente compra frango na China? Claro que compra cá! Se comprasse na China, como é que o frango vinha pra Portugal?”.

 

A pandemia de Covid-19 tem sido mais fácil, principalmente porque o casal se tornou uma presença familiar na comunidade. Sem contas no Facebook onde se deparem com discursos de ódio ou disparates, o casal tem passado pela pandemia praticamente incólume e até conquistou novos clientes à custa da carência inicial de máscaras de proteção. Ainda assim, há preconceitos aos quais não conseguem escapar. “Chinês não paga imposto? Quem diz isso? Está maluco?”, replica Simão. “Se não pagar imposto, no mês seguinte loja fecha! Estado chupa tudo! Portugal tem impostos mais caro na Europa!”.

​

A mudança profissional definitiva na vida de Simão e Margarida deu-se há 15 anos, quando o casal – então já com três filhos – descobriu em Famalicão um espaço com boas áreas e aí abriu a sua primeira “loja dos chineses”. Pouco depois montavam outro espaço idêntico em Rio Meão, no concelho de Santa Maria da Feira, e foi assim que se fixaram por cá, ainda antes de trespassarem o negócio de Famalicão e optarem por uma segunda loja na zona do Cavaco. É entre as duas lojas da Feira que agora repartem o quotidiano, ativos sete dias por semana e sem pensar em aposentações. “Chinês não pensa nisso. Lá reforma é aos 55 anos para mulheres e 62 para homens, mas nós não ligar a isso. Se tenho força para trabalhar, trabalho. Não pensa em ter baixa, ter licença… Trabalhar é como ginásio e mais barato”, defende Simão, elegante e fit.

​

É na azáfama laboral que os dois chineses mais contactam com a cultura portuguesa. Margarida já lidou com “gente muito má” – e nem se refere às senhoras bem vestidas que frequentemente apanha a roubar na loja – e lamenta sobretudo o mau-humor dos clientes lusos – “muitas vezes com cara feia e malcriados”. Gosta, no entanto, do sistema de ensino em que educou os três filhos, da segurança com que pode levar os netos a passear na rua, da fidelidade dos clientes que se habituaram a confiar nas suas lojas para aí encontrar de tudo um pouco. Já Simão, elogia sobretudo a comida portuguesa: “Muito boa. E marisqueiras melhor! Marisco, peixe e leitão muito bom tudo!”. Em casa replica alguns desses pratos, incluindo nas ementas mais regulares também bacalhau, bifes e carnes de churrasco, mas as grandes jantaradas são sobretudo em restaurantes, antes das sessões de karaoke com amigos – que são todos chineses. “Já chega de portugueses no trabalho”, diz Margarida, com uma gargalhada.

​

Se há exceções nessa agenda simples, são sobretudo as proporcionadas pelos netos que vivem em Portugal. Vicente ainda é bebé e dorme imperturbável no colo de Jie, a mãe, mas Martim já desgasta as suas perninhas de cinco anos nos treinos de futebol da escolinha que o FC Porto tem em Rio Meão e o avô gosta de fazer de seu motorista e agente desportivo, sem que se saiba qual dos dois tem mais orgulho no equipamento azul e branco do menino.

​

Hábitos religiosos, Margarida e Simão não têm. Celebram o Natal e o Ano Novo como os ocidentais, sem fazer disso quaisquer leituras cristãs, e pelos finais de Janeiro festejam a entrada no Ano Novo Chinês, que não coincide com o réveillon da cultura ocidental por se basear no calendário lunar. Encaram essa festa como um símbolo das suas raízes, acompanham-na com muita comida e um sorteio de prendas, e depois penduram à entrada das lojas o símbolo que em Mandarim significa “felicidade”, apelando à prosperidade durante o ano seguinte.

​

Simão e Margarida não dedicam muito tempo a analisar os portugueses, a detetar diferenças e semelhanças. Ele diz que, nos primeiros anos em Portugal, “não pensava em nada disso. Só queria ganhar dinheiro e aprender a língua”. Ela diz que a aprendeu ao replicar as palavras que ouvia outros dizerem e ao ler as embalagens de todos os produtos que lhe passavam pela mão. Um e outro focaram essa aprendizagem no vocabulário de negócios, para concretização de transações com fornecedores portugueses e também espanhóis, italianos, franceses e de outros países europeus, e o restante foi-se retirando dos telejornais da RTP1 e da TVI. “Mas também é preciso ver outra coisa”, avisa Simão: “Chinês não fala tanto como o Português”. Margarida acena logo que sim e faz um gesto largo com o braço, revirando a mão por cima da cabeça em sinal de cansaço: “Hoje esta conversa? Já falei muito! Amanhã não poder falar mais!”. â– 

​

​

bottom of page